Eu nasci em 14 de março de 1975, faltando dois minutos para a meia-noite. Se fosse um outro dia qualquer, o horário do parto não teria a menor importância. Mas minha família gosta de lembrar que o dia seguinte marcou a fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro. Por causa disso, é bem possível que eu seja o último cidadão “guanabarino” – melhor que usar o termo “fluminense”, inaceitável para quem nasceu e cresceu torcendo pelo Flamengo.
Guanabarino ou carioca, o destino me reservaria uma infância muito feliz. Fui morar no litoral do Estado, em Cabo Frio, com poucos dias de vida. Nessa época, a cidade se desenvolvia muito rapidamente, fato que atraiu arquitetos como o meu pai. A gente morava numa casa com quintal, varanda, horta e muito espaço pra brincar. A casa ficava num loteamento onde também moravam outras crianças. O melhor presente que eu ganhei nesses tempos foi uma árvore, que cresceu junto comigo. Aos sete, eu já subia no galho mais alto e me escondia das broncas, dos medos e das tristezas também. Foi lá que eu chorei quando o Brasil perdeu pra Itália, na Copa de 1982, e quando meu amigo Dick morreu – aquele cachorro cuidou de mim como se eu fosse irmão menor. Que saudade!
Em meados dos anos 1980, meus pais voltaram a morar no Rio de Janeiro e a adaptação à cidade grande foi bem complicada. Eu estava acostumado à liberdade de quem vive num lugar sem violência e, de uma hora pra outra, me vi morando num apartamento pequeno, numa rua movimentada, barulhenta. Tudo parecia pior, a escola, o temperamento dos meus colegas do prédio, os brinquedos. Mas a gente se acostuma. A coisa só melhorou quando fui morar numa vila, também na Tijuca, bairro de classe média onde fiz grandes amigos.
Na hora de escolher a profissão, aconteceu comigo o que acontece com quase todo mundo: uma tremenda dúvida. Primeiro eu pensava em ser engenheiro eletrônico, depois cogitei seguir a carreira de músico e no final acabei optando por fazer Comunicação. O trauma do vestibular foi grande, mas no final eu passei pra Uerj.
Logo no primeiro ano, consegui o primeiro estágio, decisivo sobre o que eu viria a fazer depois. Fui trabalhar na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Ali aprendi um bocado, das coisas mais simples às mais ligadas à profissão de quem escreve, como organizar as idéias num texto. Eu escrevia o boletim Notícias, mas também cuidava de fazer contato com a imprensa quando alguma ação da FNLIJ carecia dessa divulgação, entre outras tarefas. O enorme interesse por literatura infantil e juvenil começou lá. Depois, trabalhei na FAGGA Eventos e ajudei a produzir a sétima Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Quando o evento acabou, minha amiga (eu chamava ela de mãe) Lúcia Jurema falou sobre um estágio na Ediouro, com uma editora que eu já conhecia, Helena Rodarte. Foi outro aprendizado! Trabalhei na empresa por quatro anos. De lá, fui cuidar da edição de texto dos livros da Editora Paz e Terra. Ainda trabalhei um tempo curtinho no Jornal do Brasil.
Aí aconteceu uma mudança. Fui convidado a assumir duas disciplinas no curso de Comunicação Social da Universidade Gama Filho. Tornei-me professor graças a outra amiga, Luciane Lucas. Ela teve o cuidado de me orientar sobre o significado desse novo rumo profissional e, anos depois, me convidou a participar de um livro organizado por ela: “Com Credibilidade não se Brinca” (Ed.Summus).
Mas o primeiro livro mesmo saiu antes, em 2000. “Fabíola foi ao vento” foi publicado pela editora Revan, com ilustrações do meu amigo Marcelo Ribeiro e edição carinhosa da Nilma Lacerda. Com o tempo veio a certeza de que livros são filhos e a gente gosta deles, independentemente de qualquer coisa. Mas, imagine!, esse filho ainda me deu outras tantas alegrias. Virou desenho animado do Canal Futura (num episódio do Programa Livros Animados), me rendeu o prêmio de autor revelação (FNLIJ) e recebeu a menção altamente recomendável para crianças (FNLIJ, 2000). Muito tempo depois, foi reeditado pela editora DCL (2010), com ilustrações de Loly e Bernardilla, duas artistas chilenas.
Os anos se passaram e foram saindo outros livros, vários deles em parceria – além de ser uma coisa divertida de fazer, para mim é um espécie de celebração da amizade e da admiração. Primeiro saiu “Era uma vez um reino de mentira” (Ed. Record, 2005), que reúne uma história minha e outra do Leo Cunha. O livro foi finalista do Prêmio Jabuti e ainda entrou no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Deu tão certo que resolvemos fazer o segundo, “Era uma vez um reino sonolento” (Ed. Record, 2007), também com duas histórias “irmãs”. Ambos têm ilustrações do craque André Neves. O plano é de uma trilogia, e o André já sugeriu o título do terceiro. Vejamos quando ficará pronto.
Com o amigo Leo, ainda lancei “Turmas do prédio, da rua e do bairro” (Ed. Dimensão, 2008), com três contos dele, três meus e um feito a quatro mãos. Ilustrado pelo Flávio Fargas, também entrou no PNBE. Mas o melhor e mais inesquecível nesse livro foi a edição do texto, caprichadíssima, feita pela querida Antonieta Cunha. Ela tornou o texto tão melhor com suas sugestões!
Meu outro parceiro (para além de todos os ilustradores, que são sempre cúmplices de quem escreve) eu chamo de “pai”. Tinha sido meu supervisor de estágio na FNLIJ, foi meu editor-chefe na Ediouro e se tornou dos meus melhores amigos, além de mestre maior. Estou falando do Luiz Raul Machado, que me chamou para escrever com ele três livros sobre objetos e brincadeiras do universo infantil. E aí saíram: “Bola ou Búlica” (Globo, 2012, ilustrações de Fabiola Capelasso), “Você é uma Figurinha” (Globo, 2013, ilustrações de Aline Abreu) e “Molicha” (Globo, 2014, ilustrações de Orlando Pedroso).
Mas também escrevi sozinho alguns títulos. Depois de Fabíola, saiu “O Andar do Samuel” (Ed. Dimensão, 2005, ilustrações de Suppa). Em 2006, veio o primeiro livro juvenil, “Zero à Esquerda” (Ed. Atual, ilustrações de Kipper), que foi finalista do Prêmio João-de-Barro da Prefeitura de Belo Horizonte (2005). Em 2012, ficou pronto o livro que escrevi inspirado na história do meu avô Osmar. Ganhou o título de “O Vô Consertor” (Ed. Dimensão, ilustrações de Walter Lara). E em 2014 lancei “Os Rabiscos do Mundo” (Ed. Record), com ilustrações do Guto Lins.
Então, nos últimos dez ou quinze anos, tenho me dedicado aos ofícios de escritor e professor, sem nunca parar de estudar. Fiz Mestrado em Literatura Brasileira e Doutorado em Literatura Comparada na Uerj, aonde fui lecionar após ser aprovado num concurso em 2010. Mas não deixei de atuar também nas salas de aula das Faculdades Integradas Hélio Alonso.
Nas horas vagas, jogo futebol e toco guitarra num grupo de rock. Também gosto de assistir filmes com a Dri, minha mulher, e brincar com os meus filhos Pedro e Lucas – para quem eu cozinho quase todos os dias.
É difícil contar a própria história sem esquecer ou esconder (sem querer) algumas coisas marcantes. Acho que teremos que continuar esse papo em outras partes do site, nas salas de aula, nos eventos em escolas ou em qualquer lugar que encontre você, leitor, a quem dedico essas linhas.
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